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segunda-feira, 5 de abril de 2010

RESIDÊNCIA MÉDICA: RETROCESSO OU ABANDONO?

"A Residência Médica é repetidamente tratada como o melhor meio de especialização em Medicina. Sua existência em nossas instituições hospitalares conferiu aos médicos residentes uma expressiva importância nestas. Não apenas porque são responsáveis por enorme parcela dos atos médicos aí praticados, mas também porque dão a elas um caráter mais acadêmico, contribuindo para a atualização científica de seus corpos clínicos. A Residência permite ainda uma crítica contínua da prática médica, alertando para a necessidade de melhor estruturação dos serviços.

A legislação que regulariza a singular função dos médicos residentes foi editada após sua intensa e prolongada mobilização. Ainda assim, urge ser aperfeiçoada, uma vez que prevê uma hercúlea carga horária semanal de 60 horas e garante por ela uma remuneração (bolsa) esquálida, se compararmos a qualificação do residente e a responsabilidade assumida por ele. O mais grave é que esta legislação sequer é cumprida na maioria dos Programas de Residência Médica (PRMs) do país. A maior parte dos médicos residentes trabalha mais de 60 horas e fica por mais de 24 horas de plantão a cada semana. Muitos trabalham sem supervisão, assumindo responsabilidade que, por direito, deveria ser compartilhada. Muitos programas não se organizam conforme os requisitos mínimos previstos, gerando deficiências na formação do especialista.

A situação é agravada pela fragilidade dos mecanismos de fiscalização desta legislação. Entretanto, demonstrando preocupações completamente diversas, a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), em decisão abrupta e sem ouvir ampla e efetivamente a classe médica, decidiu alterar os critérios do concurso para seleção de médicos residentes, cujos pontos serão distribuídos da seguinte maneira: 50% para prova escrita, 10% para análise curricular e 40% para uma prova prática, de métodos e conteúdos incertos. Surge, neste momento, uma dúvida: estamos assistindo a um retrocesso na Residência Médica, gerado pela insistência de políticos (entre eles médicos) de práticas antigas que acreditam poder usar a mais importante forma de especialização médica à mercê de seus interesses, ou trata-se de mais uma ilustração do abandono a que foi legada a discussão sobre a Residência Médica no país? À primeira vista pode ser louvável a avaliação funcional do conhecimento dos candidatos, pela limitação de uma prova escrita em contemplar toda a complexidade do trabalho médico. Muitos afirmam que a prova prática faria o acadêmico dispensar maior atenção à sua graduação, desfazendo automaticamente a distorção geradora dos chamados “cursinhos pré-residência” , e que permitiria que se selecionasse, entre os candidatos, os que possuíssem o chamado “perfil” das diferentes instituições de saúde. Alguns, ainda, que isso impediria a entrada de médicos de “comportamento alterado” nos programas. Afirmações que apenas apresentam distorções presentes no ensino e trabalho médicos.

A proposta de prova prática como solução artificial e mal emendada a todas elas pode somente soar ingênua, ou ser vista como séria afronta ao dever e direito dos médicos de exercer sua profissão sem preconceitos e de ter igual acesso aos mecanismos públicos que lhe permitam realização profissional e acadêmica. Observam-se atualmente a expansão acelerada do volume de informações em Medicina e a desenfreada abertura de escolas médicas, geralmente com um sistema fictício de ensino, formando centenas de profissionais desqualificados. Tais fatores, associados à ausência de incentivo ao aumento no número de vagas de residência, geram o fenômeno dos “cursinhos”, não a prova escrita. Quanto à restrição da entrada, nos PRMs, de médicos que não possuem o “perfil” das instituições ou “desequilibrados” , mais uma vez propõe-se uma emenda muito pior que o soneto. As diversidades culturais, ideológicas e étnicas devem ser respeitadas e incentivadas, contribuindo para o aperfeiçoamento da prática médica ética, através da exposição diária de contradições e divergências.

Quanto à possibilidade de um médico, em sua residência, ferir a ética ou o respeito com colegas ou pacientes, a legislação prevê que o mesmo pode ser punido e, inclusive, nos casos extremos, ser excluído do PRM. Entretanto, para tal, são necessárias Comissões de Residência Médica sérias e democráticas, responsáveis, em cada instituição, pelo funcionamento do programa e pela avaliação do médico residente. Como poucas COREMES preenchem esses requisitos, propõe-se uma prova prática, onde o “avaliador” terá a responsabilidade de PREVER o “perfil” e o “equilíbrio” referentes a cada candidato, evitando que residentes “ruins” sejam aprovados.

Por muito tempo, muitos concursos de residência tiveram seus resultados manipulados, garantindo “apadrinhamento” a parentes, amigos ou colegas de pessoas envolvidas em suas organizações. Observando o enorme equilíbrio hoje existente entre as notas da prova escrita destes concursos, podemos concluir que a mudança proposta trará apenas uma conseqüência. Os que se acreditam donos de alguns programas de residência terão em suas mãos a total capacidade de eliminar e aprovar candidatos em “seus” concursos, atropelando o Código de Ética Médica. Um resultado extremamente favorável ou desfavorável em uma prova como a proposta jamais será passível de contestação ou revisão.

Vale a palavra de quem avaliou. Tal alteração nos concursos de Residência Médica é uma total aberração e contra ela já se posicionaram o CFM, a FENAM e a Associação Nacional de Médicos Residentes, através de seus representantes na CNRM. Nestas discussões, chega-se a questionar a legitimidade dos anseios dos médicos residentes e da luta por seus direitos. Deveriam todos se calar e preocupar-se em aprender o máximo possível, em quaisquer condições que lhe forem impostas e, apenas quando já especialistas, talvez preceptores, expressar suas opiniões e fazer valer seus direitos? Espero que não. É necessário que a Residência Médica seja tratada com o cuidado e o respeito que merece, e que os médicos residentes tenham o devido espaço no planejamento e transformação dos sistemas de ensino e assistência em saúde. Quando isto ocorrer, toda a classe médica estará finalmente combatendo o preconceito e a exploração do médico pelo médico. Entenderemos, assim, que a força e o valor de nossa profissão estão no respeito ao trabalho de todos e na contribuição de cada um para a melhoria de nossa prática, permitindo nosso crescimento profissional e pessoal e buscando igualdade de direitos para todo cidadão brasileiro, inclusive os médicos, residentes ou não".

Dr. Eduardo Lima é conselheiro do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais
Fonte: http://www.brasilmedicina.com.br

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